terça-feira, 4 de março de 2014

CRUZ DO PATRÃO (1745-1776)



  Datada do século XVIII (1745-1776), o marco é formado por uma negra coluna dórica, tendo no alto uma cruz. Servia de ponto de balizamento para a entrada dos navios no porto a partir de seu alinhamento com a torre da igreja de Santo Amaro das Salinas. A coluna foi construída no meio do istmo, mas atualmente se encontra a beira do cais que a protege da erosão fluvial. Este secular monumento era lugar de execuções capitais e, pela sua localização fora da cidade, local de mistérios que assombravam o imaginário popular.
Outras informações  É uma coluna, tendo no alto uma cruz erguida, à margem esquerda do Rio Beberibe, no istmo do Recife a Olinda, entre as fortalezas do Brum e Buraco.
Aquela coluna desde muito tempo é uma baliza para os navios que demandam o porto, quando coincide em linha reta com a capela de Santo Amaro das Salinas.
  A coluna foi construída no meio do istmo, mas de presente se acha quase que fora do mesmo, em virtude da perda constante de terreno desagregado pela corrente do Rio Beberibe.
Nada consta de positivo sobre a construção da Cruz do Patrão, entretanto já existia em 1816.
O monumento não tem inscrição alguma, notam-se, porém, no alto da cruz, em ambas as faces, as iniciais - I.NR.I. - dispostas em duas linhas.
  Em alguns documentos posteriores aquela época se encontra o monumento designado pelo nome de Cruz do Patrão Mor -, o que parece indicar haver sido construída por algum patrão mor do Porto do Recife, cargo este que existe pelo menos desde 1654.
  Era nas imediações da Cruz do Patrão, que se enterravam os negros novos ou escravos que chegavam da costa da África e que morriam pagãos, e também onde se executavam as penas capitais de fuzilamento impostas aos militares.
  A Cruz do Patrão tem também a sua parte romântica, as suas lendas e tradições populares, de cujo assunto se ocupou Franklin Tavora.






 Eis a mesma lenda:
"o Beberibe é a mais rica e bela página da história do domínio holandês nas províncias do norte do Brasil. Cada uma das suas ilhas representa um capítulo da homérica epopéia que por muito trouxe assombrado o velho mundo no Século XVII. A Cruz do Patrão, posto que não houvesse figurado nesses tempos heróicos, veio a ser depois vulto importante das muitas tradições do vale do Beberibe".

A Cruz do Patrão está situada no ístmo - gigantescos traço de união - posto de natureza entre o Recife e Olinda. É a cruz de pedra, está colocada no cimo de elevada coluna e serve para indicar aos navegantes o poço onde surgem os navios, entre o ístmo e o Recife natural, que borda a cidade. Tem ao norte, o Forte do Buraco e ao sul a Fortaleza do Brum, ali plantada pelo gênio bátavo.
Por muito tempo, foi crença que todo aquele que passasse de noite por perto dela ouviria gemidos angustiosos, veria almas penadas ou seria perseguido por infernais espíritos. Circunstâncias acidentais davam autoridade a estas crenças de remotas eras. Mais de uma vidente, passando por ali em horas mortas, encontrará o termo de seus dias. O sitio é de seu natural deserto e como próprio para se cometerem violências e atrocidades. De um lado corre o rio profundo nas marés vivas, do outro raiva bramindo e espadanando ondas o oceano, túmulo insondável e medonho, o istmo é estreito, longo e ermo. Fácil sepultura pode abrir na areia frouxa, nas águas mansas do Beberibe, ou nas ondas cruzadas do Atlântico a mão amestrada a ocultar as vitimas do punhal que ela brande.
Um dia apareceu um estudante morto junto da Cruz do Patrão. As suspeitas da justiça caíram sobre certo soldado de uma das fortalezas vizinhas do lugar do delito. Nas velhas roupas do indiciado depararam-se nódoas que à justiça pareceu serem de sangue, mas que afirmou ser ferrugem.
Julgou-se escusado, pela evidência do fato, o exame da ciência para completo esclarecimento da verdade, e o infeliz, condenado a galés, foi cumpri na ilha de Fernando o seu degredo perpetuo.
Passado alguns anos, um enfermo confessou ser ele, e não o soldado, o autor do homicídio. Ordens foram expedidas para que voltasse à posse de sua liberdade, aquele que fora injustamente privado dela. Estas ordens não tiveram resultados, porque durante o longo sono da justiça da terra, havia entregado a alma ao Criador a vítima inocente.
Anos depois foi espingardeado junto à Cruz do Patrão outro soldado por haver erguido a arma contra seu superior. Se bem me recordo, foi esta a última execução capital que testemunhou Pernambuco.
Era presidente dessa província Honorio Hermeto Carneiro Leão, agraciado tempos depois Marquês do Paraná.

Por esses fatos de próxima data e por outros semelhantes de data remota, a Cruz do Patrão foi, até certo tempo, fonte de superstições populares. Antes de se haver feito a nova estrada que por Santo Amaro põe o Recife em comunicação com Olinda, ninguém se animava a passar desacompanhado, de noite pelo ístmo. Os matutos que tinham de vir desta ou voltar daquela cidade aguardavam, para o fazer, a maré seca, que lhes permitia beirar o rio em certos pontos por entre mangues, deixando a alguns passos a cruz fatídica. Os canoeiros tinham o cuidado de navegar por dentro, afim de escusar a sua vista. O que mais particularizou, porém, a Cruz do Patrão foram tradições de espíritos infernais, bruxarias e outras quejandas. Dizia-se que os feiticeiros iam celebrar os seus sortilégios em noite de São João, que eles escolhiam para iniciar nos asquerosos mistérios os neofitos. Aparecia o diabo e fazia coisas de arrepiar o cabelo. Foi por uma dessas ocasiões que teve existência a presente lenda: Estava celebrando a sua sessão anual o Congresso dos negros feiticeiros do Recife. Cada um deles tinha na mão um cacho de flores de arruda. O povo diz que em noite de São João esta planta da flores, as quais são logo arrebatadas pelos feiticeiros para as suas bruxarias. A meia noite começou a choréa dos mandigueiros.
Tripudiavam estes à roda da Cruz, rezando orações de tenebrosa virtude. O rei das trevas não se fez esperar por muito tempo. Tinha a forma de um animal desconhecido. Era preto como carvão. Os olhos acessos despediam chispas azuis. Brasas vivas caiam-lhe da boca encarnada e ameaçadora. Pela garganta se viam as entranhas, onde o fogo ardia. A visão horripilante a todos metia horror.
Entre os que tinham ido tomar mandiga, achava-se uma negra de grosso toutiço e largas ancas que lhe davam a forma da tanajura. Foi a primeira vez que passou pelas duras provas.
O animal informe atirou-se a ela por entre uma chuva de faiscas abrasadoras, ela porém, deitou-se a correr pelo ístmo a fora, como si tivesse perdido a razão. Quando pensava que havia escapado a provocação cruel, tomou-lhe a dianteira o animal cada vez mais ameaçador e terrível. Levada pelo desespero do que via e sentia em redor de si, a negra correu ao mar para atirar-se nas águas gemedoras. O mar mostrava-se mais medonho que o demônio solto, e as suas vozes puseram no coração dela mais pavor do que as dos feiticeiros, que tripudiavam a roda da Cruz, em sua infernal choréa. Retrocedeu mais horrorizada que antes. Tenho dado de rosto com o inimigo pela vigésima vez, correu ao rio que volvia as águas tão de manso, que parecia adormecido. Meteu-se por elas a dentro, para escapar à terrível perseguição.
Enganado pela vista dos mangues, o demônio atirou-se após a fugitiva, julgando entrar em uma floresta. Assim, porém, que o seu corpo igneo se poz em contato com as águas frias, súbita explosão destruiu a furiosa alimaria. O estampido ribombou como descarga elétrica. Nuvem de fumo espesso, que tresandou a enxofre, cobriu a face de Beberibe.
No outro dia, na baixa mar, apareceu no lugar onde a negra se tinha afundado, não o seu corpo, mas a coroa preta, que indicou dali por diante aos feiticeiros a vingança do espirito das trevas.
Ha bem poucos anos via-se ainda, na altura da Cruz do Patrão, quando a maré deixava de fora o formoso arquipélago que a natureza situou no leito do Beberibe, a coroa preta, assim conhecida entre os canoeiros pela cor dos detritos que ali se haviam acumulado, que contrastava, por sua nudez, com as ilhas circunstantes.
Nestas a natureza sorria com gentil e variável amenidade, naquela dominava a aridez e o deserto. Nenhum mangue fôra beber em seu seio maldito o humus que as florestas dos mangues sugam nos seios boleados das ilhas, de continuo refrigeradas pelas águas lustres do Beberibe. As ilhas vestidas de viçosos e alegres arvoredos podiam oferecer residência às fadas amigas e bonançosos gênios, a coroa escalvada só poderia servir, pela sua feição tumular e triste, de morada a algum peregrino espírito, percursor de tempestades e de enchentes destruidoras.
Dizia o povo que, quando tivesse desaparecido de todo a coroa preta, teria cessado também o encanto da Cruz do Patrão. O que é certo é que hoje não se fala na coroa, e nem na cruz. Aquela foi de todo comida pelas águas do rio, enquanto esta a ninguém mais mete medo, porque já ninguém passa pelo ístmo, exceto os soldados que guarnecem as fortalezas.
O Recife e Olinda, comunicam-se assídua e diariamente pela estrada de Santo Amaro, por onde as locomotivas correm, de espaço a espaço, enchendo a margem direita do Beberibe de fumos e ruído, que indicam o percurso da civilização por aquelas solidões pitorescas.
O ístmo há de desaparecer também de todo, como desapareceu a coroa e cessou o encanto da cruz.
A proporção que Olinda aumenta ao sul e o Recife ao norte, encurta nas extremidades a língua de areia que ainda as separa. Daqui a algumas dezenas de anos, sobre sua face, ora rasa e nua, ter-se-á levantado entre as águas azuis do oceano e as águas claras do rio um quarteirão de casas gentis, de quase meia légua de comprido.
O Recife poderá então dizer à sua esposa de cara memória esta letra de um dos seus imortais poetas:
"Não nos separa
Momento algum;
De dois que fomos
Somos só um".





2 comentários:

  1. NOSSA COMO O MEU RECIFE É LINDO E NOSTÁLGICO, BELAS LENDAS.MARAVILHOSOS MONUMENTOS. PENA QUE TEMOS PESSOAS DESINFORMADAS E POLÍTICOS PIORES AINDA.

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